segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Flor Selvagem

"Ver um mundo em um grão de areia
E um céu numa flor selvagem
Ter o infinito na palma da mão
E a eternidade em uma hora."

William Blake

E X P R E S S O


Ele estava apressado. Corria e esbarrava nas pessoas para chegar logo; coração disparado, olhar bobo, sorriso espontâneo. Tendo alcançado a plataforma, tratou de sentar-se para esperar; já não iria demorar tanto quanto já demorara. Em meio à espera, por duas ou três vezes verificou a roupa e tocou de leve a cabeça para sentir se o cabelo ainda estava penteado; sim, estava tudo certo.  Dez e cinqüenta e sete, logo iria chegar. Sua mão já se contraía contra a calça, a garganta estava começando a ficar seca, olhar apreensivo.
            Lá vinha o trem. Virou-se de uma só vez quando o escutou. O sorriso se abriu; se pudesse, aumentaria a velocidade daquela Maria fumaça. O zunido metálico o avisava que o trem estava parando; mesmo sabendo que estava tudo certo, ele ainda checou a roupa mais uma vez.
As portas do trem se abriram e ele se levantou.  Famílias e passageiros solitários começavam a sair em direção à plataforma; dentre aquela multidão, ele olhava a todos com olhar apreensivo, segurava os dedos e inclinava o pescoço para ver melhor. Ele a avistara. Logo o medo passou, a angústia passou, o sorriso deu lugar à ansiedade. “Como ela está linda” era só no que ele pensava, e, quando ela o avistou, foi logo ao seu encontro. Com a bagagem na mão, começou a atravessar a plataforma, passando no meio de todos. Ele, que mal percebera como, já estava correndo ao encontro dela também; não enxergava mais ninguém à sua frente.
Encontraram-se, e um abraço selou a saudade deles, ambos tentando sentir o máximo um do outro.
            Ouviu-se um sino; ela, voltando a si, olhou para o relógio da plataforma. Ele, que continuava sentindo o momento, olhou para ela e mudou de feição. Ela lhe disse algo e ele fez que “não” com a cabeça; ele não podia deixar isso acontecer. Ela o beijara rapidamente, e, pegando sua bagagem, começara a se dirigir para o outro lado da plataforma; ele a puxou pela mão, e o seu olhar era de desolação. Ela lhe retribuiu o olhar e inclinou a cabeça de forma suave. Acariciou-lhe o rosto e sussurrou: “Volto logo”. Ele tocou a sua mão, a levou ao seu rosto e apertou contra a bochecha de leve; se conseguiu responder, disse: “Você disse isso antes”. Ela deu um sorriso sem graça, tirou sua mão do rosto dele e se dirigiu à porta de entrada do outro trem.
A porta fechou e o trem começou a partir; outras pessoas na plataforma acenavam para as que estavam no trem. De uma das janelas ela o viu, piscou serenamente e acenou. Ele assistia a tudo aquilo como a um filme daqueles de cinema, preto-e-branco e sem som. O trem partira, e, lentamente, todos foram saindo da plataforma. Ele ainda esperaria o último vagão desaparecer.
            Onze e dez. Não havia mais ninguém senão um rapaz que agora se locomovia para a saída. Ele viu o último rastro de fumaça do trem desaparecer no céu azul e viu que não tinha mais o que fazer ali. Já fora da plataforma, pôs as mãos nos bolsos e sentiu algo na palma e puxou sua mão de volta.
Olhou a caixinha coberta de veludo azul-marinho. Em meio à emoção do encontro, ele a havia esquecido. Colocando a caixinha de volta no bolso, pensou consigo mesmo: “Agora não dá mais tempo; outra vez não deu tempo, mas o que é a espera comparada a volta?” e foi andando pela rua e lembrando o quanto ela estava bonita.